Rogério Martins, professor e pesquisador
da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (Portugal),
realizará palestra pública em Criciúma. Ele conquistou celebridade em seu país
por ser autor e apresentador do premiado programa de televisão “Isto éMatemática” e diretor da revista da Sociedade Portuguesa de Matemática. A
palestra “Tenho uma bicicleta que calcula áreas”, será abordada de forma descontraída,
sem perder de vista conceitos matemáticos. Haverá momentos de reflexão sobre o
ensino e espaço para questionamentos do público.
A Secretaria Municipal de Educação de
Criciúma e a Universidade do Extremo Sul Catarinense são responsáveis pela organização
do evento que acontecerá no Teatro Municipal Elias Angeloni, no dia 3 de maio,
das 19h30min às 21h30min. Interessados podem inscrever-se gratuitamente no site
da Prefeitura Municipal.
O matemático participará do Festival da
Matemática, no Rio de Janeiro, nos dias 28 a 30 de abril. O evento, organizado
pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) faz parte das ações do
Biênio da Matemática no Brasil. Também realizará uma palestra, no dia 2 de
maio, no Instituto Federal Catarinense (IFC) de Camboriú e no dia 5 de maio, na
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) de São Leopoldo, no Rio Grande
do Sul.
Há quantos anos você é professor, Rogério? Em quais
níveis de ensino atuou?
Sou professor há
20 anos. Comecei aos 21 anos na faculdade e continuo na mesma posição até hoje.
Ensinei alunos de licenciatura em matemática, de engenharia e alguns cursos de
mestrado para matemática aplicada. Essencialmente trabalhei com o Ensino
Superior e tive alguns contatos com alunos do Ensino Médio para divulgação
científica.
Você apresentou 143 episódios e sempre os encerrou
dizendo o jargão “isto é matemática”. Afinal, o que é matemática?
É uma boa
pergunta, mas difícil de responder. Costumo dizer que matemática é o que sobra
quando esprememos uma ideia real, concreta e retiramos o sumo teórico, sumo
abstrato. Poincaré dizia que matemática é a arte de darmos o mesmo nome a
coisas diferentes. O que ele quiser dizer, na minha opinião, é que é a arte de
criar pontes entre a matemática e outras coisas. Por exemplo, o triângulo de
Pitágoras é sobre triângulos, mas não é um triângulo concreto, é sobre o
triângulo que aparece na minha casa ou do engenheiro geográfico quando está a
fazer uma triangulação. Ou seja, a matemática cria pontos entre fenômenos aparentemente
desconexos.
Quais suas recordações sobre o ensino da matemática
enquanto estudante e suas percepções como professor?
Comecei me
interessar por matemática quando estava no Ensino Superior. Enquanto estudante
eu via a matemática como uma coisa interessante, um jogo curioso, mas não era ainda
uma grande paixão. Eu gostaria, enquanto estudante, que tivessem me mostrado a matemática
como uma coisa mais aberta, menos cristalizada, que me mostrassem os limites e
como ela é vista de cima. Posteriormente tentei alterar essa visão, como
aparece nos meus programas, uma visão mais filosófica e gosto deste lado menos
exato e para mim, mais apaixonante. É uma matéria que a sociedade em geral
respeita, nos sentimos como alguém importante quando ensinamos e por isso é
muito agradável ser professor de matemática, embora cause ansiedade nos alunos.
Você comentou que quando foi para a Universidade
tinha vários interesses. No entanto, não podia frequentar cursos, como
economia, biologia e psicologia, porque não tinha notas suficientes para
passar. E, tinha em matemática? Não era mais difícil ter notas para matemática
sendo que você não era um aluno que se destacava? Como é este processo que
seleciona os estudantes para a universidade em Portugal?
De fato eu não era
um aluno brilhante no Ensino Médio, no entanto não tinha notas ruins, não entrei
nesta competição de ter boas notas. Estudei numa província onde não era normal
terem-se boas notas e destacaram-se. Sempre tive interesse profundo pelas
matérias que estudava, embora não tivesse um hábito metódico de estudar. O que
fez com que quando eu chegasse ao curso superior não tivesse notas para entrar
em alguns cursos. E, por alguma razão a média de matemática era muito baixa e
era uma das possibilidades que eu via para fazer uma carreira. Essa seleção era
baseada basicamente nas notas do Ensino Médio e nos exames finais, talvez o
correspondente ao vosso ENEM. A partir daí, comecei estudar mais muito a sério,
seguir uma carreira de investigação e depois de divulgação da ciência baseada
na matemática.
A disciplina que você mais gostou quando cursou o
secundário (que corresponde ao Ensino Médio no Brasil) foi Filosofia. Nosso
país está realizando a reforma do Ensino Médio e Sociologia e Filosofia passam
a ser disciplinas não obrigatórias. Qual sua opinião sobre a importância da
filosofia na formação de jovens?
A minha
disciplina preferia era filosofia e acho que gosto de matemática porque ela é
uma forma de ver o mundo, é como se fosse um tipo de filosofia muito
específico, que tem contornos e fronteiras bem delimitadas. É um tipo de
filosofia que tem bases sólidas, enquanto é normal em filosofia as perguntas
ficarem sem respostas.
Para mim, é sempre
difícil dizer com segurança se filosofia tem de ser uma das disciplinas
obrigatórias e fundamentais. Se estas ideias que são de certa forma vinculadas
na cadeira de filosofia acaberem por ser passadas em outras disciplinas, pode
ser que não seja tão mau. O que acho que deve ser interessante é darmos essa
criticidade de olhar o mundo, que na prática, a matemática deveria fazer este
papel.
Por que você afirma que a matemática é uma filosofia
de vida?
Gosto de ver a
matemática para além das contas. É uma forma muito racional de ver o mundo. Ela
como se fosse uma filosofia com ferramentas bem mais concretas e que tem um
conjunto de ideias que fazem parte do conhecimento humano e que auxiliam na
tomada de decisões. Muitas vezes não percebemos, mas tudo o que aprendemos na
escola, embora não se apresente de forma explícita, mas implicam nas nossas
escolhas. É uma bagagem intelectual que nos molda e ajuda a definir as opções na
nossa vida.
O que você sabe sobre o ensino da matemática no
Brasil?
Não sei muito,
mas o que sinto é que no Brasil há mais assimetria, ou seja, não é tão uniforme
no Brasil. Em Portugal é mais uniforme, o que não é surpreendente, dados o
tamanho dos países. Na minha área de investigação que é sistemas dinâmicos, o
Brasil é extremamente forte. O último premiado com a Medalha Fields é
brasileiro e isso é uma prova que o ensino da matemática tem dados seus frutos
no Brasil.
No Brasil, percebemos que muitas professoras (raros
são os homens que atuam, especialmente, no Magistério com Anos Iniciais)
escolheram fazer Pedagogia porque não gostavam de matemática. Estes professoras,
no entanto, precisam trabalhar conteúdos matemáticos básicos e essenciais para
estudos futuros. Isso acontece em Portugal? Quais são as consequências para o
ensino da matemática?
Em Portugal
também acontece, muitas vezes as pessoas desviam da matemática para a área de
pedagogia porque ela as assusta. Isso é um pouco estranho quando estas pessoas vão
ensinar matemática porque se elas se afastaram é porque tem um sentimento
negativo e certa ansiedade, que muitas vezes é transmitida aos alunos de forma
implícita e não verbal. Podemos tentar achar uma forma de aliviar esses
problemas, se as pessoas gostam de ensinar tem seu valor. É importante que
tenham uma boa formação pedagógica e uma sólida formação em matemática, que não
precisa ser avançada, mas que as deixem confortáveis para ensinar.
Você considera que a matemática é difícil de ser
aprendida? Por que?
Normalmente as
pessoas vêem a matemática como um assunto difícil e é justificável. Mas não é
isso que provoca todo o problema porque há muitas outras coisas difíceis que as
pessoas aprendem, como tocar um instrumento musical. A matemática é difícil,
abstrata e um pouco árida. Nós humanos não fomos feitos para a abstração, essa
capacidade é recente na nossa história, o que faz com que seja difícil lidar
com conceitos altamente abstratos. Há formas de contornar o problema porque ela
pode ser ligada ao real, por um lado, e por outro podemos aumentar a motivação e
experimentar o sucesso dos nossos alunos.
Alguns dos seus alunos são estudantes de
engenharia e outros de matemática. Você já comentou que seus alunos de
engenharia são mais críticos e participativos que os de matemática. O que
acontece para que haja esta diferença de perfil?
É uma
pergunta curiosa. Os alunos de engenharia estão mais habituados a trabalhar com
problemas práticos. Quando trabalhamos com problemas práticos temos que ser
crítico porque a ciência tem que bater certo com a realidade. A outra razão,
pela minha experiência, é que os estudantes de engenharia passam pelo
departamento de matemática para fazer os cursos iniciais e depois acabam por não
tem mais contato com estes professores. Os alunos de matemática a sentem como
uma coisa mais central em suas vidas. Os alunos de engenharia sentem-se mais a
vontade para ser mais desafiadores e irreverentes com os professores.
Sua vó portuguesa pensa como as nossas avós
brasileiras quando diz que “quem é bom em matemática, é bom em todas as áreas”.
Por que você acredita que nossas avós estão erradas?
Minha avó tinha
essa ideia de que a matemática era um teste da nossa capacidade para fazer
quase tudo. Se a matemática é difícil, quem é bem sucedido supostamente consegue
ultrapassar qualquer outra barreira. Estou convencido que não. Quando muito
existe uma relação que tem a ver com a matemática que é um assunto difícil,
quem tem uma capacidade de concentração e uma motivação intrínseca para estudar
e sendo bem sucedido nele, acaba tendo essa mesma perseverança para dedicar a
qualquer outro assunto. Portanto, na prática existe alguma correlação entre
quem tem sucesso em matemática e em outras áreas, mas não é propriamente porque
esta disciplina seja um teste. O mesmo poderia ser dito em relação à musica. Quem
toca um instrumento musical pode fazer qualquer outra coisa porque mostra
perseverança e vontade. Temos um lado mais racional que a matemática explora,
mas há outros lados do nosso cérebro que são úteis e essenciais, como a parte
emocional e de sensibilidade artística. Essa ideia de que a matemática é um
teste derradeiro para saber se a pessoa vai ter sucesso na vida é perigosa e má
porque geram ansiedades quando a estudam. Se tirarmos esse peso, ela será vista
com mais simpatia e terá menos pressão.
Uma frase polêmica sua é que “a escola deve ensinar
o que não sabe”. Explique melhor sua afirmação.
É uma afirmação propositalmente
polêmica. A ciência nos permite fazer coisas extraordinárias, mas não quer
dizer que não tem seus limites. Não temos consciência disso, ignoramos estes
limites que estão mais perto do que imaginamos. Conhecer isto torna as ciências
mais humanas. Pensa-se que a matemática já descobriu tudo, que não há mais
investigação, o que é exatamente o contrário. Os alunos deviam acabar o seu
percurso de ensino, sabendo o que sabemos e também aquilo que sabemos que não sabemos.
Quais os avanços conquistados no ensino da
matemática? Quais mudanças são necessárias para atender as exigências do mundo
atual?
Quando comparo a
forma que se ensinava matemática quando eu era estudante e agora percebo uma
diferença tremenda. Atualmente somos muito mais eficientes, os professores são mais
dedicados e fazem constantes cursos de formação para se atualizarem. Acho que
os alunos devem ter uma visão mais distanciada da matemática, não estarem tão imersos
em cálculos e tentar ter uma perspectiva mais abrangente. Muitos não concordam
comigo porque que estamos perdendo um pouco este lado exato e objetivo da
matemática, mas por outro lado ganhamos.
Qual é a história do Programa Isto é Matemática?
Como surgiu? Quantos episódios? Como eram escolhidos os temas? Qual foi a
repercussão? Quais as consequências do programa em sua vida profissional?
A história é
longa. O programa começou com o professor Nuno Crato que mais tarde foi nomeado
para Ministro da Educação de Portugal. Foram 11 temporadas de 13 episódios
cada. Eu escolho 99% dos temas e o critério que uso é encontrar algo que seja
interessante para os cidadãos comuns e pequenas ideias que podem ser apreciadas
por pessoas que não tem formação específica na área. A repercussão foi razoável,
superou expectativas. Conquistamos uma fatia do público que não gostava de
matemática. Na minha vida profissional passei 15 anos como cientista e tive que
me preocupar mais com a comunicação de ciência.
O programa é dinâmico, gravado em lugares e prédios
encantadores e precisa passar o conteúdo matemático de forma rápida. Quais as
experiências mais interessantes que este programa lhe proporcionou?
São tantas. Cada
programa tem uma história. Gravamos na rua e as pessoas interagiram. Fomos os
aos bastidores de um cassino, subimos os pilares de uma ponte de Lisboa e em
bancos.
Por que você se dispôs a fazer uma palestra gratuita
em Criciúma? Quais suas expectativas em relação ao público?
Todas as
palestras que vou realizar no Brasil, eu não vou cobrar, porque é uma
oportunidade de mostrar meu trabalho. Na verdade, todos os custos das minhas viagens
estão sendo pagos pelas organizações. É um prazer poder conhecer, neste caso, o
sul do Brasil. Sinto grande prazer de ter contato direto com o público. Minhas
expectativas são altas e espero que quem se dispor a ouvir a palestra se
divirta e que goste de fato.
Fale o pouco mais sobre as experiências e
reflexões que o levaram a ter como lema que “é melhor gostares do que fazes do
que fazeres o que gostas”.
Este é um
pouco me lema de vida. Não pretendo desmotivar as pessoas a perseguirem seus
sonhos. A maior parte das coisas acontece por acaso, são pequenas coincidências
que mudam completamente nossa vida e é importante que aprendamos a apreciar
esses futuros que ela nos dá. Qualquer atividade tem um lado agradável.
Para ouvir um áudio da entrevista completa, clique AQUI.
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